O som nada melhor que as pessoas. Por isso, os dias de chuva ouvem-se melhor. São um caleidoscópio de sonoridades: os pneus dos carros assemelham-se a regatos incessantes; a água que escorre das estruturas está por todo o lado, embalando-nos num regaço lento. O sol não está cá para chatear, e isso é bom. Fosse só por isso, e já valeria um dia de chuva. Aproximo-me do balcão inferior da gare, esperando o comboio que me levará ao colo da mãe. Tantas cores tem este dia cinzento: os autocarros que volteiam as ilhas do terminal são azuis, por acaso são brancos com riscas, mas soam verdes; as gotas que pingam de tudo que fique quieto por mais de cinco segundos, são como fagulhas vermelhas; os pneus dos carros rolando sobre a estrada ensopada são amarelos, amarelos como um milheiral ao vento. Já a luz dos faróis espelhada no asfalto faz lembrar o doce ondular da meia-praia: chuá… chuá…
Aproximo-me da escada rolante. Deixo subir o fumo que me precede e assomo à plataforma: da maneira que chove e como sopra o vento, vou molhar-me. Mas não. O chão está seco. Obrigado Calatrava! Pouso a mochila e aproximo-me da linha. Estendo a mão às gotas. E elas dão-me hi5’s em cascata. Tadinhas, tão luminosas e tão tolas, seguem a gravidade sem questionar destino ou propósito. Para baixo, sempre para baixo, a cair, a escorregar, impiedosamente conduzidas pelo déspota universal. Descansam onde podem: numa poça, numa frincha de tijoleira, no casaco empapado de um senhor.
Apita o comboio, chega à estação. Enche-se o meu coração. Entro apressado, intimidado por quem, atras de mim, também anseia deixar esta cidade, este dia que finda. Tiro os casacos, todos, e, sentado, fixo o olhar num dia que perde a cor. Adeus, Lisboa. Espero voltar.