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Lembro-me de, aos onze anos, passear pela escola preparatória de mãos dadas e de me sentir simultaneamente amedrontado e audacioso sempre que ela, também a medo e com a audácia dos doze anos, me beijava o cantinho da boca. Lembro-me do negro da sua trança que ao sol iridescia de azul sempre corria atrás dela pelos recreios asfaltados da escola. Lembro-me da candura da voz quando, à mesa da cozinha da sua casa, me explicava, com a anuência da avó, como salvou os seus dois periquitos de serem devorados por um gato que por ali passou. Lembro-me como um dia nos despedimos com um longo abraço e ela chorou um bocadinho e eu contive-me para correr até casa e chorar tudo no colo de minha mãe. Lembro-me muitas vezes que nunca mais nos vimos, nem uma única vez. Nem que fosse para lhe dizer que foi o meu primeiro amor e talvez beijar-lhe o cantinho da boca. Lembro-me de, então, algo ter despertado em mim.

Lembro-me quando desci do comboio nas Devesas, no último dia quente do verão e subi a pé, até ao Jardim Soares dos Reis, onde ela vivia, só para a ouvir dizer que o que quer que fosse que tivemos, havia acabado. Que tinha sido fixe, mas que o que tivemos ficou no oculto das dunas da praia da Madalena. Onde duas semanas antes me tinha surpreendido ao deitar-se sobre mim e me beijar, em rápida sucessão, primeiro a testa, depois a ponta do nariz e, por fim, a boca que aguarda a sua ansiosa. O que tivemos ficou também debaixo das ondas frias das marés vivas, onde eu a abraçava com força e ela me abraçava de braços e pernas e ficávamos, muito juntos, vendo os nossos queixos tremerem de frio. Lembro-me, como competia aos meus quinze anos, de me sentir vitorioso. Mas também conquistado pelo calor do seu corpo sob o vento que cortava as dunas e a suavidade da sua voz na imensidão do ruído das ondas. Lembro-me de, naquelas dunas, naquelas ondas, deixar de ser criança. Lembro-me de descer até às Devesas de coração partido e, já na praia, ao fim do dia, ter mostrado ao sol poente toda a minha tristeza.

Lembro-me de pensar não querer voltar a sentir-me assim e que nunca mais amaria. Mas tal não foi o caso, Isabel.

Sair de casa
Bruno