Júlia cresceu rodeada de rapazes. Nascida no meio de quatro irmãos, ser menina era algo estranho na casa que a viu crescer. Quando chegou a sua vez de ser mãe, recebeu os seus filhos, todos rapazes, como quem recebe velhos conhecidos ou partes do seu coração.
Deu-se aos três como se nada de si sobrasse, mas, ainda que desse todo o seu amor, este não se esgotava nos moços. Tinha ainda espaço para as meninas que lhe faltaram. E foi assim que, sempre que na vizinhança nascia uma menina, Júlia arranjava forma de a atrair para a sua casa. Fosse porque as mães precisavam de descansar ou fosse porque choravam e queriam uma mão treinada para as deixar confortáveis, Júlia raptava-as por umas horas mal elas nasciam. Meses mais tarde, quando as mães das meninas regressavam ao trabalho, Júlia raptava-as aos dias inteiros. Levava-as para casa, dava-lhes banho, de comer e enchia-as de mimos e de carinhos. Dava palminhas, só-só e cantava-lhes as mesmas canções que tinha cantado aos seus filhos. Eles, os filhos, encaravam naturalmente e sem surpresa terem uma menina em casa. Uma menina que nada tirava, que nada dividia, que, na sua exigência de bebé, apenas dava. E Júlia dava mais ainda. Chamava os filhos e, juntos, brincavam com a menina raptada à mãe e ao pai que trabalhavam. Era vê-las correr pela casa, ora gatinhando, ora chorando por fome ou sono, ora enchendo a casa com o silêncio do seu dormir.
Júlia, a mãe que raptava meninas, devolvia-as ao final de cada dia. Ao vê-las descer as escadas, via-as levar, cativo, um pouco do seu coração.