Chegado a Sábado, o viajante depara-se com todo o tipo de feiras e mercados, onde homens e mulheres sem origem que se lhes aponte, mas seguramente longínqua, apregoam o longe feito perto da globalização e fazem clamor do exotismo biológico dos produtos, que incógnitos chegam a Sábado, vindos de locais como Nanquin, Hanoi, Colombo, Jacarta e Vivenciana, mas com eles nunca chegam notícias das pessoas que os fabricam. Como se quem os fabrica fosse percebido apenas como seres semelhantes a pessoas que, se por algum motivo insistem em chegar a Sábado e se intrometem pelas feiras e mercados, vendendo, eles também, a sua sobrevivência, são olhados com desdém pelos locais, ou ignorados. A eles, com os seus olhos e odores diferentes, o viajante, que prazenteiramente compra inutilidades em Sábado, não os vê, nem os recorda.
Dos que lá estão para vender e não para viver, são duras as suas vozes e curto o seu repertório, feito de euros a dúzia e cinco por três, como se em Sábado tudo valesse menos que o seu justo valor ou o esforço de quem longe o fez o que ali se vende, de nada valesse.
As pausas do viajante em Sábado fazem-se a qualquer hora do dia ou da noite, através da satisfação dos mais extraordinários pedidos de que este se pode lembrar. Entregues por invisíveis caracóis de duas rodas, num corrupio frenético que corta passeios, avança semáforos e aparca à porta do alojamento temporário do viajante, apenas por segundos e sem mais do que uma troca de monossilábicos mecânicos. Nada se faz em Sábado que não se possa fazer noutro dia para onde se viaje, mas em Sábado tudo o que se faz, faz-se à maneira de Sábado.
A primeira coisa que dizem os que visitaram Sexta, é que há uma antecipação que torna o ar inusitadamente pobre em oxigénio devido ao excesso de respiração dos locais que, logo pela manhã, se mostram imbuídos de uma maior energia, destinada a um local que sabem nunca alcançar, mas a que aspiram continua, profusa e desesperamente.
As ruas estão cheias de carros e as malas destes, carregadas de tróleis de viagem, a abarrotar de pueril esperança matinal, frustração vespertina e actante excitação noturna, mais parecendo que o iniciático destino da esperança, em Sexta, fosse excitação alimentada a insegurança. Dos que lá vivem, apenas os jovens se dão conta que vivem em Sexta, cidade intangível a outras idades e a quem já não tem, ou nunca teve mister.
Uma vez em Quinta, o viajante que passe ou permaneça algo demoradamente, tem dificuldade em calcorrear as ruas, os locais históricos, as atrações turísticas ou mesmo os poisos dos nativos, pois tudo é desértico e longínquo e penoso. Isto deve-se ao facto de Quinta ter muita massa, sendo que a força gravítica exercida em Quinta, sobre os corpos dos locais, mas também dos viajantes, é superior ao registado em outras cidades, causando a locais e viajantes, fadiga extrema, dores nas pernas e joelhos, cefaleias, doenças do aparelho circulatório, cansaço generalizado e irritação constante.
Nem o facto excecional das paredes das casas e outros edifícios de Quinta estarem revestidas a rególito lunar, trazido nos insondáveis bolsos de mil astronautas, também conhecidos por astro-suicidas, tamanho o seu desespero ao olharem a lua da prisão que Quinta se havia tornado, faz dela um lugar particularmente aprazível, mas antes, com todo o seu cinzento, um lugar lúgubre e desesperado.
Em Quarta, o viajante, percorrendo a cidade forrada de espelhos e outras superfícies igualmente refletoras, não sabe, desde cedo, se chegou há muito ou pouco tempo, se já visitou muito ou pouco das ruas, praças e monumentos, ou mesmo, demorado nos dias, se já está no início, meio ou fim da sua visita. O mesmo se passa com os locais, mas no tocante às sua vidas. Os habitantes de Quarta vivem o terror permanente de não saber a idade, se são novos ou velhos, se acabaram o que começam ou começaram sequer o que julgam ter acabado.
Tudo em Quarta está entre alguma coisa. Não há mulheres de saia ruas espelhadas e nas rotundas, quais praxinoscópios, os carros entram mas não saem. As lojas, onde o viajante tem dificuldade em encontrar a saída e os cafés onde os locais partem os dedos das mãos por tentarem pegar os reflexos das chávenas de café, conferem a Quarta uma dimensão intermédia, algures entre um antes e um depois que apenas alguns, muito especiais, por verem para lá do seu reflexo, conseguem identificar. Esses, logo deixam Quarta para não voltar. Quem fica, não sabe se quem se foi, regressa ou estará ainda por chegar.
Em Terça, o viajante sente uma energia madura no ar. Um sentimento referido pelos locais, do alto das suas torres de alabastro, de onde nunca descem, sujas pelos dejetos dos ninhos de cormorões, mas ainda assim imponentes e resplandecentes. Dizem que todos podem partilhar desse sentimento, dessa energia, desse ser capaz de. Apesar disso, o viajante atento, constata que apenas os que vivem nas torres partilham dessa energia. Interroga-se o viajante como estes locais, tão livres e entregues a tudo o que é liberdade, liberdade para ter e liberdade para fazer, conseguem viver as suas vida, se nunca saem do alto das suas torres. Fascina-o a forma como, lá de cima, por entre os piados estridentes dos cormorões, lhe explicam, durante as longas e fartas refeições que regulam as suas vidas, que Terça é uma cidade única, onde todos os que são capazes, são livres de agir e moldar o seu destino, com base na qualidade do seu trabalho e na força do seu querer.
Só depois, quando o olhar do viajante se habitua ao brilho dos torres de alabastro e as vozes dos locais se confundem com o som dos excrementos das crias de cormorões que caem, de lá de cima, nos passeios, ou em quem estiver a passar, encontra ele uma outra Terça. A Terça dos meandros e das sombras projetadas pelas torres, onde, gente anónima e triste, com as unhas gastas de raspar as migalhas que caem do alto, vivem as suas vidas na rotina de micro conquistas, entretidas por espetáculos decadentes e saturadas pelo dia-a-dia de Terça dos que não sentem a energia.
Em segunda, o viajante deve, imediatamente, sob pena de morrer só e longe da sua terra, tomar o seu lugar entre os esperançosos ou os desgastados. Porque é essa a natureza de Segunda e do seu povo irreconciliavelmente dividido. Há em Segunda dois tipos de locais; os que encaram a sua cidade como o início promissor de tudo e, em extrema oposição aos primeiros, os que para quem Segunda é cansaço, frustração e arrependimento.
O campo da batalha, continuamente travada em Segunda, está literalmente por todo o lado. Nas escolas, nos cafés, nas ruas, nos clubes e, em especial, nas empresas. É lá, nas empresas, que esperançosos e desencantados, mais se defrontam. A coorte contrária não aceita o ponto de vista do outro, seja ele de fulgor pela vida, seja de entrega amorfa à existência.
Nem as ruas asfaltadas de fresco a cada semana, os jardins suspensos entre os prédios, haver sempre lugar para estacionar à porta da loja, do hotel, do monumento ou da esplanada, nada disso faz com que o ódio esmoreça ou uma das facções se entregue à outra. Segunda é o mais belo campo de batalha e não há nada que se possa fazer.
Em Domingo, o viajante, corre risco de vida. Pois Domingo é terra de credos e cultos, seitas e igrejas. Acossado por monges, clérigos, feiticeiros, sacerdotes, xamãs, curandeiros e padres, o viajante tem dificuldade em se deslocar por entre salmos, feitiços, enguiços, orações, mandamentos, reflexões e mensagens crípticas, todas elas faladas nas ruas cobertas de néon, por energéticos personagens, ora anunciando o fim do mundo, ora a sua salvação. Há ecrãs gigantes, néon colorido, cartazes tradicionais, vozes gravadas gritando de altifalantes nas esquinas e flyers e panfletos chovem dos céus, lançados de aviões e drones.
Há espetáculos, religiosos e/ou espirituais, em grandiosos estádios que já foram de futebol ou em recatadas salas de centros comerciais decrépitos. Tudo em Domingo está orientado para a derradeira fantasia. Ao que, se o viajante, cansado como se passasse várias horas num centro comercial, pergunta a um qualquer que, na rua, o tenta puxar para a sua verdade, “-Porque devo ouvir esta mensagem e não qualquer uma das outras quatro mil?”, se pergunta isto, assim, como se pergunta, porque chove, ou porque que é que depois de um raio vem um trovão, esse viajante nunca mais é visto.