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A vida de cada ser humano, libertado do frémito da sobrevivência, será melhor definida como uma vida de busca, de busca pelo seu sentido intrínseco. A busca de sentido não é apenas a busca de si no universo, mas antes de mais, a busca de si em si mesmo. E a pergunta existencial, das três perguntas existenciais que nos atormentam, tenhamos ou não, no decorrer da vida de cada um, consciência delas, é: O que faço aqui? O que faço, Eu, aqui, exige a procura de um motivo excecional, supremo e justificativo de tudo o que, numa vida, a possa justificar. O propósito da vida, a de cada um de nós, por si só, distinta e única num mundo de milhares de milhões de vidas distintas, mas em tudo iguais, não pode, talvez por falta de capacidade ou então, dimensão do problema, ser respondida sem o auxílio de outras duas. Desde logo, uma razão; e depois, um destino. Uma razão porque em tudo buscamos causalidade, daí que a pergunta seja: de onde vim? A seguir, um destino porque, se deverá haver uma razão para o antes e para o durante, ou pelo menos uma interrogação, tal força a uma razão para o depois. Da incógnita desse depois, emerge a pergunta: para onde vou?

Desde muito cedo, a contradição entre a banalidade, fragilidade e superficialidade da vida de praticamente todos os seres humanos e o valor que é atribuído a essa vida, seja pessoal ou coletiva, resultou numa imperativo de sentido. Perante a vulgaridade do ser biológico, o sentido da existência manifesta-se na implicação e submissão à procura de uma correspondência entre a excecionalidade da vida e a excecionalidade após a morte do corpo. Sendo que, para coerência da narrativa mitológica, a origem, a exemplo do mundo natural, esteja ligada ao fim, ou vice-versa. Há quem chame a essa correspondência e do que dela decorre, espiritualidade. A espiritualidade, se a quisermos assim reconhecer e designar, emerge, e toma lugar, da desigualdade na percepção de valor entre a vida humana e a restante vida no planeta. Resultante desse conflito de perceção, vamos ser permissivos, três entidades despontam em cada ser. O ser biológico, a mente cognitiva e o ser espiritual. Se ao primeiro se reconhece irremediável fragilidade, traduzida na finitude do corpo e na constante reciclagem da matéria orgânica de que é composto, já a mente cognitiva enfrenta, salvo em poucos e ainda assim por deferência ao desafio de compreender o real, a incapacidade de compreensão do cosmos, das suas escalas e dos seus mecanismos. Cabe ao ser espiritual, emergindo do terror existencial da morte e do desconhecimento e perante o assombro da sua própria senciência, justificar a aparente diferença e comando do ser humano entre a totalidade dos seres vivos que, com ele, partilham o planeta-mundo. A validação da excecionalidade é conseguida por meio de um constructo, em tudo contrário à cognição, mas tolerado, acalentado e tido como real, dada a dimensão do terror existencial de uma vida desprovida de sentido. O dito ser espiritual, mera e magistral criatura da mente biológica, ficcional mas arrebatador e dificilmente recriável numa máquina ou ser sintético, precisamente pelas suas amarras à biologia, induz a mente cognitiva a efabulações de origem, sentido e destino, desta forma consubstanciando-se e justificando-se.

Que fica então, quando por fim, a mente cognitiva prevalece e as efabulações existenciais que fizeram os seres humanos são expostas por aquilo que são: produtos resultantes do medo do desconhecido e da ânsia de pertença? Em primeiro lugar, obrigado Friedrich (1844-1900), pelo fim em definitivo do sobrenatural, da mitologia, da permanência da mente do indivíduo para lá da cessação da sua atividade biológica. Desterrada vai, a condição humana do centro do universo, pessoal e coletivo, tal como a Terra, para um ramo fino e efémero da árvore da vida. Dão-se também por perdidas as perguntas “de onde?” e “para onde?”, não por obterem uma resposta fornecida ou sancionada pela razão, mas porque deixam de ter ou fazer qualquer sentido. Subsistirá, ainda que ligeiramente diferente, a primeira das três perguntas “porquê eu?”.

A pertinência da pergunta depende do nível de análise que a ela se aplica. Considerando a razão da existência do indivíduo ou mesmo da humanidade em função do universo, a pergunta é espúria e desprovida de sentido, na medida em o universo é indiferente ao indivíduo e à humanidade. Indiferente até a si mesmo, à sua origem, ao seu destino. Se tudo é efémero e delével, então nada tem sentido, razão ou propósito, nem mesmo perante as incomensuráveis escalas temporais. Mas, considerando o ponto de vista do agente, do indivíduo, impregnado de consciência, agência e uma noção de tempo que, transcendendo a sua vida, mantém o foco no seu tempo biológico, a pergunta passa a pertinente, porque, para si, a sua vida é pertinente. Daí que o sentido da vida dos que se libertaram das amarras da mitologia, se reveste de um caráter pessoal e identitário. A energia efémera produzida pelas calorias que corpo e mente consomem continuamente ao longo da vida de cada um, são aplicadas na prossecução de ideais, egoístas uns, altruístas outros, de sentido ou mote para a vida, sempre num quadro cognitivo absolutamente individual. Se faz mal ou bem aos outros, tal ocorre de uma interpretação pessoal e única dos estímulos externos e traços genéticos internos que, atuando de forma reflexiva, moldam a ação de cada um, conferindo sentido à vida que se sabe ultimamente inútil. 

O pequeno Lagarto e o Filósofo
Do nada