Max, como era por todos conhecido e tratado, não poderia ter nome mais apropriado. Quando nasceu, algures numa das inúmeras e imundas ilhas do Porto, nos obscuros finais da década de 60, nada viram nele que não mais do que uma boca para alimentar que escapou a ser marinheiro. Isso e uma vaga parecença, suficiente para lhe merecer o nome, com um tio avô, emigrado, chamado Maximiliano. Cresceu a côdeas de pão, sopa aguada e exclamações jocosas e insultos que o deixaram amargo e quezilento. Aos dezassete anos, sem nunca ter tido outro trabalho que não o da muito conseguida arte de pedir, passando frente a uma montra onde havia sido colocado um grande espelho ladeado por dois altos e elegantes manequins, Max tomou conta, pela primeira vez, de duas realidades: a primeira, que era quase da altura dos dois manequins emperiquitados; a segunda, que as suas proporções corporais eram substancialmente diferentes.
Ali, com o seu reflexo entre os dois bonecos da moda, observava-se, incrivelmente, pela primeira vez em relação aos demais. Pôde então constatar, comparativamente, que a sua cabeça era maior, substancialmente mais achata no topo que a dos companheiros e com uma testa assaz saliente, em tudo destoante dos que o ladeavam. O seu nariz pequeno, sem cana e abatatado no meio da cara em losango invertido, completava a marca da diferença face aos narizes pontiagudos e às faces esguias dos demais. Os longos braços dos bonecos terminavam em mãos esguias. Um deles tinha uma mão no bolso da calça e a outra pendia bem abaixo do cinto. O outro, descansava uma das mãos na cinta e, na ponta do outro braço, fletido, segurava um lenço de seda estampada. Max constatava pelo seu reflexo no espelho que mal chegava com as mãos aos bolsos, percebendo assim porque tinha que se contorcer sempre que queria chegar aos trocos, ao isqueiro ou ao passe.
Um olhar mais atento fê-lo perceber que também as suas pernas eram, apesar de compridas, mais curtas que as pernas dos manequins. A diferença era acentuada quando se media pelas pernas esguias, desveladas pela saia curta da boneca aperaltada. As suas, mesmo pertencendo a um homem, eram encurvadas e papudas, razão para o tecido das calças sempre a sobrar nas pernas para que a cintura servisse.
Max olhou para o Timex e percebeu que estava atrasado. Subia Santa Catarina tão rápido quanto as suas pernas lho permitiam. Ao atravessar para a capela das Almas, reparou no gringo que o morava de alto a baixo. “Olha que não sou paneleiro, pá!”, vociferou. O homem, percebendo a atitude, deu meia volta e desapareceu na multidão.
Semanas mais tarde, Max foi surpreendido com uns emproados e uma equipa da televisão à sua porta. Traziam um livro e uma placa onde dizia: “The World tallest midget”. Nessa tarde, deixou a placa no prego. Rendeu-lhe dez escudos.