Sim, que foi? Nada. Quero só dar-te um beijo. Muitos. Todos os que quiseres. Beijou-a na boca, na face, no pescoço. Embrenhou-se nos cabelos dela. Tomou-lhe as medidas da cinta. Encaixou-a em si. Era a Aurora. Era mesmo ela. Como? Onde esteve? Onde está agora? Onde está a Sofia? Desculpou-se com as horas para dela se distanciar e foi para a cozinha. A sua cozinha. Onde estava a suite do hotel, onde estava o mar, para lá da janela? Estaria a sonhar? Teria sonhado. Mesmo depois de ter beijado a Aurora, ainda sentia o gosto da boca da Sofia nos cantos da sua boca; ainda tinha nos dedos o cheiro dela. Como é possível? Onde está? Sonha; sonhou; sonha que sonhou; sonha que sonha? Não compreendia; era tudo tão real. A praia, a Sofia, a noite juntos. E agora a Aurora, o seu quarto, a sua cozinha… dava em doido. Que fazer agora que Aurora o chama? Já sabe: está a dormir. Se transformar o sonho em pesadelo, acorda. Mas já é um pesadelo. Sim, mas se o pesadelo for mesmo mau, ameaçando a sua vida, ele aí acorda mesmo. É isso! Corre para a janela; salta! Não. É demasiado baixa. Ok! Pega na faca de cozinha; corta os pulsos! Não isso demora e não mete assim tanto medo. Espeta-a no peito. Agarra-a com as duas mãos, estica os braços e olha aterrorizado para a lâmina afiada. É agora! Encolhe os braços e espeta a faca no coração ao mesmo tempo que Aurora entra na cozinha. Aurora grita ao vê-lo no chão, arfando a custo. Puxa os cabelos e pergunta-lhe porquê. Porque te mataste? Quer responder que achava que dormia, mas não pode porque está cada vez mais ocupado a arfar e a sentir o seu coração a verter o seu sangue. Deixa de ouvir os gritos de Aurora, é o silêncio.
Sofia grita, berra perdidamente. Com as mãos ensanguentadas, tenta em vão pedir ajuda pelo telefone. Batem à porta da suite com insistência. Sofia, coberta de sangue tenta estancar o sangue que jorra do seu peito. Porque fizeste isto? Pergunta em desespero. Porque te mataste? Só então percebeu. Olhou incrédulo para o peito nu onde plantara a faca de mergulho.