Perdido, escuro, só, deitado com a mão fora da cama
Confuso, sonoro, alto, pendente da vertente de uma montanha
Fugindo do eco dos próprios passos na rua nua e vazia
Olhar o cão que nos espera na curva do caminho
Dizer-te mil vezes amo-te sem nunca abrir a boca
Esperar por toda a vida que nunca chega por troca da que tem voragem de abraçar um qualquer desconhecido num transe constelar, libertador e consequente
Partir os tornozelos a cada degrau da espiral do desespero pessoal, intransigente, fétido no conforto da fossa feita fluido oceano
Esse mar imenso de desejos perdidos, oportunidades perdidas, vontades partidas, sonhos fugidos para lá do que a mão observa e o olhar sente
Para lá da perda, de sentir sequer a perda do que se perdeu por não tentar, por não querer, por todas as vozes que deixam de se ouvir para apenas levar, em levitação fúnebre, ao altar do atávico, do sonolento, do solenemente esquecido
Doce é a vivissecção da alma dormida, cândida a faca que abre regos de vermelho arterial e plácida a tortura dos mundos fechados, conquistados à criança que se esconde no arco-íris da vontade
Oferecendo velas latinas aos ventos da imobilidade, pequena mas irredutível,
Três vezes o medo a tratou
Três vezes do chão se levantou
E disse sorrindo das três vezes:
Neste mundo que é só meu
Há em mim muitos mais do que eu
Onde tudo é obra de meu mando
Não há terror que me possas dar
Que o meu olhar segue criando
Paraísos perdidos no imenso mar
… inspirado em Mensagem, Segunda parte:
MAR PORTUGUÊS, n.º IV. O MOSTRENGO