Flor, ainda fresca, ainda com pétalas preguiçosas por abrir, sorri e pergunta qual o caminho. Sobre o caminho, o homem que ao seu lado se senta, com uma única flor por companhia, perde-se na pergunta. Ele, que tem uma única flor por companhia, vê passar a humanidade em ritmos desumanos de indiferença sobrevivente. Perde-se na pergunta e em todas as respostas que tem para lhe dar.
O seu olhar vago, confundido com loucura, tem a serenidade dos que, preocupados com o estômago, pensam livres das amarras das coisas. A sua face queimada e suja, confundida com abandono, espelha a majestade da solidão. A flor, sua única companhia no meio de um mar crescente de autómatos, pergunta de novo qual o caminho.
Lembrou-se de uma velha frase ouvida a um homem do mar. O mar ganha sempre; a onda é insuperável. E ainda assim, continuou para lá do pensamento, articulando para a flor, sua única companhia e espanto indiferente dos autómatos, há no mar um caminho, o caminho. Um caminho não traçado, invisível aos olhos de quem o procura como meio para um fim. Um caminho que não se traça num mapa ou materializa no espaço. Um caminho que não se faz contrariando o mar, porque o mar ganha sempre. Dar-lhe luta é fútil, resistir-lhe é inútil.
A flor cresceu um pouco na sua direção e perguntou demoradamente, por ser sua única companhia, como se encontraria então o caminho, se o haveria sequer para ser encontrado. Fixando o olhar ainda mais longe, deixando-o cair pelos contornos da cidade, pelas poucas árvores do parque e pela imensidão de autómatos que o cruzavam sem dele se darem conta, foi dizendo que o caminho nos encontra. Encontra-nos no momento em que ao mar nos entregámos, em que abandonámos o desejo de o vencer e forçar um rumo. Só então, livres, porque entregues ao mar, o caminho se apresenta, distintivo do si e distinto dos demais. Só então é possível lidar o mar e tomar rumo. Apenas desprendidos da vontade de lutar contra o mar, podemos cativar a sua imensa força, voltados à felicidade.