O meu coração vive como flor
Longe do caldo dos dias iguais
Que me puxam para ao estertor
De repetir cenas tolas e banais
É o mundo que vem de encontro
Ao delicado coração agitado
Dá com um pau e faz escombro
O que era ritmo compassado passa a ritmo fibrilhado
Perde o seu vigor esta flor
Verga seu caule e esmorece
Pétalas perdem seu rubror
É o coração que estremece
Parecem assim ganhar os dias
Em que nada se faz ou se vence
As horas são como do pão fatias
Que enfarta mas não convence
Já me vejo perdido em um dia
Maior que toda a minha vida
Tão longo que fim não lhe via
Tão cinzento que deixa ferida
Chegam vozes de todo o lado
Dizendo que assim é pouco
E que o que faço está errado
E melhor seria clamar louco
Fecho os olhos e de pé atras
Como se hesitasse por medo
Como se tapasse que é atroz
Como se fugisse ao arvoredo
Hesito em começar a ver a vida
Tapando os olhos ao seu furacão
Fujo dela como se fosse bandida
Que me quer roubar o coração
Medo claro está, desdém decerto
Fuga à razão de ver com coração
Pejo dos que lhe estão mais perto
Gosto pelo abismo e pela solidão
E por aí se vão seguindo em rol
As interpretações sempre vãs
Se não é um duro é vago e mole
Se não por nada fazer é dos tristes e inúteis afãs
Perante tudo isto hesito no passo
Não me apela esta confrontação
Tapo os olhos e faço compasso
Fujo para onde não chegue mão
Aí me tenho sujeito aos olhares
Daqueles que em mim vêem pouco
Não me importa seus dúbios ares
Nem a profundidade do cabouco
Pois não é dúvida que faz hesitar
Nem tapando os olhos por recusa
Fuga para o mal bem longe deixar
E no arvoredo entrar se escusa
Se fecha os olhos e põe o pé atras
É para melhor se apoiar e fixar
Se hesita não é medo que trás
Antes balanço para melhor arrancar
Assim se prepara e lança seguro
No que será sempre a luta da vida
Ainda que o dia seja sempre escuro
Havendo vontade há uma saída
Pois meu o coração vive como flor
Crescendo entre granito e ao vento
E não há chuva nem frio nem dor
A que não responda o meu coração com alento
Ora falo eu, ora fala o meu coração, no que será o que dois são um e um são dois; um solilóquio, uma alternância de consciências, a que me puxa e a que me empurra; a diferença entre um dia cinzento e uma noite cintilante,