Nós somos o que melhor tem a sociedade. Nós somos bons cidadãos, pagamos os impostos todos e cumprimos as demais obrigações. Nós somos gregários, bons vizinhos, respeitadores do meio ambiente e fraternos para com as outras culturas. Aplaudimos os golos dos adversários, congratulamos os governos que não ajudamos a eleger. Nós não vamos às putas, respeitamos os cônjuges e os nossos filhos são os mais limpos e educados. Juramos de mão no peito, mastigamos de boca fechada, não jogamos, pagamos as dívidas, honramos os compromissos. Nós cumprimos horários, nós cumprimos o código da estrada, o civil e o comercial. Nós democratizamos o mundo, nós humanizamos a barbárie.
Não somos como esses pretos que matam por um telemóvel e andam sempre agarrados à pila, ou como esses ciganos que nos roubam só de olhar para nós e conduzem como se a estrada fosse deles. Nem somos como esses romenos, vara de porcos, a cuspir para o chão, a mijar nos cantos e a meter medo aos nossos meninos. Nem somos como esses do leste, armados em doutores, mas que só servem para alombar nas obras e pedir com artimanha. Também não temos nada a ver com os chinocas, enfiados nas lojas o dia todo, a vender a merda que fazem na terra deles, sabe-se lá como. Nem como os monhés, a interromper as refeições com flores ranhosas e a porcaria igual à dos chineses. Nem como os espanhóis que querem tomar conta do nosso país, a começar pelo Alentejo e pelos centros comerciais. Nem como os americanos, cambada de imperialistas ignorantes que acham que as espinhas do peixe são plástico da embalagem.
Nem somos como eles: os que roubam; os que fazem as leis à sua maneira; os que empregam e desempregam como lhes dá na gana; os que estoiram a economia e ainda ganham dinheiro; os que mandam; os que mandam mandar; os que não trabalham e vivem no luxo. Os padrecos; os polícias; os ministros; os patrões; os gajos dos bancos; os funcionários públicos.
Nós somos uns desgraçados, só nos fodem. A saúde é uma desgraça; as estradas estão um nojo; os das portagens só nos roubam; o estado só nos rouba; as farmácias só nos roubam; os hipermercados só nos roubam; os governantes só nos enganam; os advogados só nos tramam. Ao menos a televisão, porque isso sim, aí se vê o que é viver. Quem nos dera poder resolver os problemas à pistolada: um tiro no agiota da bolsa; empalamento para o pedófilo do jet-set; um pontapé no cu do primeiro ministro; uma machadada na cabeça do patrão milionário; uma bomba na sede de governo dos gringos. Era acabar com todos eles. Limpar a raça desses árabes, e levar também os judeus, filhos da puta que mataram jesus que só tinha amor.
E nós?, tão limpos, correctos e justos, perdidos neste mar de esses e de eles conspirando para acabar connosco? Iremos sucumbir a tamanha afronta? Onde está o nosso messias?
Mas a nós ninguém nos cala! Temos de ir para a rua, fazer barulho e enfrentar os polícias, os bastões e os canhões de água. Salvar o que é nosso. Dar o corpo e dar o sangue por nós e pelo que nós somos. Derrubar todos eles que nos querem tirar o que é nosso e acabar também com esses que os estão a ajudar. Temos de mostrar a esses e a eles que somos fortes, unidos, decididos e corajosos.
Mas só para a outra semana, porque no Domingo há futebol.