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De volta à estrada, à noite e ao nevoeiro, calcorreava de novo o separador central. Andando absorto, pensava em como se manar, em como se baldar. Não será a vontade de se manar própria contradição, pois que manar a vontade é verte-la para que se se evapore, se extinga; ou, se não se extinguir, deixa pelo menos de nos pertencer para se tornar fazenda de outrem. E baldar; é preciso querer baldar-se. Baldar-se é uma entre várias opções. Aquele é baldas: porquê? não sabe mais?; não: apenas é sua vontade ser baldas. Percebia, se bem que de forma difusa e por ora incapaz de expor em discurso que o caminho que sentia já ser o seu dever seguir, acarretava, talvez mais do que qualquer outro, ponderada decisão e grande dose do coragem. O que mais do que aparentava ser contraditório com o propósito. Isto é, se o fim era o de abandonar-se, já a decisão de o fazer nada tinha de abandono ou casualidade. De modo que temia não poder seguir o conselho do pequeno homem por duas razões: a primeira porque, ao segui-lo, seria por sua vontade, e a segunda porque poderia optar por não o seguir; o que seria um duplo desvio do conselho do pequeno homem. Havia ainda uma terceira razão que só passados muitos passos e muitas curvas, muitas zonas de ultrapassagem e muitos traços contínuos se acendeu na sua mente. E se não tivesse percebido o conselho. Sim, e se houvesse mais para além de si mesmo? A nominação é a tentativa de perceber o que não se experiência pessoalmente ou o que experimentou e não se consegue expressar correctamente. Quem nomeia afinal e diz que este se manou ou aquele se baldou; diz de si próprio ou do outro? Se diz de si, o problema permanece, pelo que, no interesse da continuidade da explicação, se opta pela segunda: diz do outro. Se diz do outro, é porque não experimentou pessoalmente e, como tal, ainda para benefício de argumento, não expressa correctamente o que esse outro sente ou experiência. Como tal, pode alguém interpretar e logo nominar o comportamento do outro como manando sua vontade ou baldando-se a tudo, se no outro entende que está se desligando das coisas dos homens, das ralações, dos amores e das fortunas, das glórias e dos desvarios quando, na verdade, o outro, o que vive e experimenta, optou por ser como é, podendo até ter tido que ultrapassar espessos desafios, fartas vicissitudes para o conseguir. Percebeu então que o conselho do pequeno homem não lhe era destinado a si mas à percepção que os demais têm dele, e sorriu. Prosseguiu caminhando, nevoeiro adentro, sempre pelo meio, sempre sonhando estar nas bermas. Adiante, um novo clarão. Outra estação de serviço?

Haverá lições a reter da vida? Pode aprender-se com o passado? Quem são os que olham para trás e temperam decisões com memórias? –5–
Haverá lições a reter da vida?
 Pode aprender-se com o passado?
 Quem são os que olham para trás e temperam decisões com memórias? -3-