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– Estou em ti, e tu estás em mim.

Dizia o velho que perdia a vida que lhe foi dada, à mulher que perdeu tudo que o seu ventre lhe tinha dado. Ela olhou-o nesse momento e para sempre como se finalmente o conhecesse, como se de apenas alma ambos se fizessem, tão ferido estava o ventre dela, tão próximo que estava de se apagar a vida dele. Só então os dois, ainda cúmplices do ódio de não se conhecerem, mas já eternamente ligados pelo comum da do caminho que lhes traçou o destino, tomaram as mãos um do outro e fizeram-se um, um com o outro.

Ele, morrendo porque se lhe acabar o tempo, via a mulher pelo que ela era, para lá da pele, da roupa, para lá de ser um campo fértil de novos invasores. Ela morta por ser lhe acabado toda a razão do seu tempo, olha o velho para lá do medo que a sua diferença lhe provoca.

Tomando o velho os seus últimos suspiros, dissipou-se-lhes neles o ódio dos seus olhares. Ao velho, porque a morte lhe concedera o tempo que precisava para perceber ela não era o demónio que lhe roubava as terras. À mulher, porque viu no velho a alma sensível e o olhar carinhoso que recordava do seu pai.

Ajoelhados um em frente ao outro, a mulher toma a mão do que foi o seu eterno inimigo e diz-lhe num sussurro:

– A parte de mim que morre contigo, é preenchida pela parte de ti que permanece comigo.

Le gris, toujours le gris
Memória