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Pela manhã do dia de Natal, os nossos tios maternos, como bons homens portugueses, nada tinham para fazer. O trabalho de limpar o que ficara da ceia da véspera e preparar a refeição seguinte, faustosa aos olhos dos pobres que éramos, recaía sobre as nossas tias, reunidas em casa da nossa avó. Nos anos em que, por circunstâncias e opções familiares, não partilhávamos com todos eles esses momentos, ficávamos em casa e, crianças e rapazes, também nós éramos poupados às mesmas tarefas pela nossa mãe.

De tal modo que, como os cafés estavam fechados e depois de compradas as toneladas de regueifas para alimentar a pão um rancho de tios e sobrinhos, lhes sobrava tempo até à hora do almoço para copos e visitas, iniciavam um périplo por familiares e amigos, convivendo e bebendo a cada paragem. Sendo que a nossa casa era invariavelmente a última, demoravam-se mais, em cavaqueira com o nosso pai.

Era num desses momentos de cavaqueira que, copo na mão, nos acordavam com o doce vernáculo que lhes era caraterístico. Onde cada insulto à nossa pueril masculinidade ou à honradez da nossa mãe, irmã deles, lhes saía natural e afetuoso. A nós, meninos daquele tempo e daquela família, ouvíamos os nossos tios com imensa alegria, beijados pelas sua palavras rudes, com quase tanta quanta alegria como a de descobrir as prendas ao lado da pantufa, por cima do fogão. Como se o sol brilhasse mais forte por estarem no quarto, nas frias manhãs de Natal.

Exposição Olhos e Olhares – 1.º Ciclo
Ser ou não ser