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O que é a viagem? Perguntas tu com a resposta à vista. Por não responder, avanças, em jeito de pergunta respondida, que não é o destino, muito menos o caminho. Tomas o meu olhar, lançado lânguido na tua direção, como assentimento, licença, direito a entrares na minha vida e continuas, confiante pela interpretação errónea do meu olhar na tua direção, a perguntar respondendo.

A viagem não pode ser o destino, pois este é sempre um desapontamento. Seja porque fomos mal informados acerca das qualidades desse destino, enganados por relatos terceiros, de outros tempos ou de diferentes olhares. Seja porque não conseguimos alcançar o que ele tem de melhor para nos dar, por estarmos aquém da sua aceitação ou além do que a sua nudez, apresentada pela crueza da presença fisíca, nos revela. Seja até pelo derrubar do crescendo de expectativas construídas até ao preciso momento em que dobramos a última esquina, desfazemos a última curva, passamos a última porta.

A viagem também não pode ser o caminho, pois ele, por belo, desafiador, estimulante, introspetivo ou longo que seja, é sempre, e nada mais, do que instrumental ao ato de viajar. E prossegues perante o meu silêncio. O caminho não é outra coisa que a gestação da viagem. Uma gestação sem interioridade, apenas uma absorção de estímulos visuais, em sequência mais ou menos rápida, mais ou menos desprovida da complementaridade dos restantes sentidos. O caminho de ida porque o caminho de regresso não existe, senão como uma imposição física, quase biológica de retornar ao estádio primário da existência pessoal. Ninguém, ninguém (reforças) está imune ao regresso e à nulidade que ele implica.

A viagem também não é a companhia. Quem mais te acompanha na viagem, perguntas seguro da resposta, que não tu próprio. Apenas poderás ter-te a ti como companheiro de viagem. O que em nada difere do restante dos dias. Estás a sós contigo mesmo em toda a tua vida, quer estejas, ou não, em viagem. Daí que a companhia não se constitui como resposta à pergunta que repetidamente lanças à minha apatia, como se lançasses uma bola ao topo de uma duna.

Será então a partida, dizes resoluto. E como me visses levantar o olhar de mim mesmo, redobras em esforço para, desta feita, afirmares que a viagem é a partida, pois é nesse instante, no momento em que se torna irreversível, que ganha a necessária exterioridade para que abandone o sonho ou o desejo e se torne objetificável. Sem esmoreceres perante o regresso abaluartado a mim, contorces a partida a moldes conhecidos, a compra dos bilhetes, a reserva do hotel, a chamada do táxi para o aeroporto. Percebes então não estar na tua viagem, que estás mais só que te imaginavas. E tornas-te outro.

Finalmente, finada a verve, fias suspirando o tecido da derrota que te levará ao despojamento e daí, à resposta que percebes, agora, nunca teres tido.

Por fim, dizes:
“– Quando tenho medo de tudo, tenho ainda mais medo do nada.”
“– E, nessa altura, que fazes?” Pergunto eu, desfeito o meu baluarte.
“– Decido, aterrorizado, dar o primeiro passo.”
“– E aí tens a viagem.”

Sobre ser neutro
Sonora como o mar