Saltar da cama. Finalmente entrar no dia pelo qual espera há horas. Algo o faz velar, desperto mas inerte; acompanhar os minutos e as horas no despertador, qual rapace, desperta mas toldada pelo capuz da noite que agora dá lugar, gradualmente, primeiro à luz e depois ao dia. Levantando-se, retoma a vida. Aquela que se diz necessária. A que resulta de propósito.
Propósito que por sua vez resulta em reconhecimento, medido numa qualquer medida de sucesso que lhe colam à pele da alma –se é que a tem– como um corante alimentar que lhe é adicionado, gota a gota, dia a dia, recompensa pelo que se mostra e não pelo que é. Tem sucesso apenas porque, como lhe é esperado, sucede. Tudo sucede; os dias, as noites; as pessoas e os seus discursos; as singelezas dos seus desejos, tão fáceis de alcançar e ainda assim intangíveis. O tédio! o tédio como uma superfície cromada que reveste tudo e todos e expõe-lhe a vacuidade da vida que leva. Vê-se refletido em todos e não se revê em ninguém. O terror! o terror de não suceder naquilo que não dá por adquirido, mas que sabe ser a medida do que é.
Mesmo assim sucede:
- Por quem está condenado a amar; seja por imperativo biológico, seja por condicionamento social, ignora a ordem para amar, duplamente gravada em si, e ama verdadeiramente, ainda que isso lhe dissipe, mas mantenha teimosamente, a ilusão do livre arbítrio;
- Por não ter alternativa a caminhar o caminho onde o acaso o colocou, na rede que o amarrou; onde o vento o leva e onde os seus pés o levam, em desvarios e rodopios, sem rumo nem direção.
No que lhe sobra de ter, é. E é, de forma tão convicta e diáfana, como o terror existencial que sente e que o faz duvidar e temer. O terror de sair, de ficar; de permanecer e de partir. O terror de arriscar, de perder tudo o que não tem; de continuar e de não ter continuidade.
Mesmo assim:
- Vai pulsante, mas sem sentir vida própria. Traz consigo apenas a vida que ninguém vê. Se brilha, brilha como um planeta. Se corre, corre como um cavalo de madeira e estopa no mais espetacular dos carrosséis. Se vive, vive uma vida que não é a sua; antes a vida que nele é projetada pelo universo que o rodeia e que enclausura o seu;
- É então duplo; é múltiplo e procura-se entre os tantos que lutam pela primazia da identidade.
De poder dizer: Eu sou.

