Não sei se incomodo ou sequer sou notado, por quem passa, quando dizem que imito papagaios na rua. Não sei bem o que pensam ou o devo pensar quando, empurrando o meu carrinho de mão já quase sem tinta e todo amolgado, imito, não apenas papagaios, mas também pegas, araras e especialmente periquitos de colar. Que são os meus preferidos, os periquitos de colar. Por serem maiores que os periquitos que muitos têm aprisionados em gaiolas, são apelidados de papagaios. Papagaios, araras e periquitos são, na verdade, aves de um mesmo e grande grupo de animais, todos voadores, exceto o cácapo, se não me falha a memória. Animais, dizia, chamados psitacídeos. Mas são periquitos de colar e não papagaios de colar.
Gosto de os ver voar de árvore em árvore, num voo muito reto e a grande velocidade. Têm uma silhueta longilínea e perfeitamente simétrica. E são estridentes, muito estridentes. Oiço-os ao longe, numa amostra de eucaliptal que há uma rua abaixo. Comunicam entre si, avisando-se de pegas rabudas e gaivotas, indicando árvore em frutificação, mostrando-se prontos para se reproduzir.
Em particular, são muito claros quando se dirigem a mim. Alertando-me para um carro que avança mais veloz quando empurro o carrinho de mão pela rua de Costa Cabral acima. Alentando-me no pior da subida, indo o carrinho de mão cheio de lixo de obra ou monos abandonados junto a um contentor que darão dinheiro para uma cerveja no café da dona Keli. E eu, que cresci educado e mantenho as boas maneiras dos meus, respondo-lhes, agradecendo a atenção e o alento que me dão. E devolvo a cortesia, lembrando-os que no jardim do Conde de Ferreira, as sementes dos tulipeiros e dos tamarax estão maduras. Ou então, para as gaivotas, refugiadas dos jardins do pólo universitário pelas centenas de pegas rabudas que lá fizeram a sua nova morada e buscam novas áreas para pairar e gritar e pousar e implicar com os familiares alados, sejam eles pombos, melros, os pequeninos pardais, rabirruivos e felosas, ou os meus amigos periquitos de colar. Alerto-os para a sua presença ominosa e calada. Cortando o ar lenta e subtilmente, insinuam-se, apresentam-se como familiares dedicados, para depois bicarem e trucidarem sem piedade.
E é a minha função, o meu dever, avisar os periquitos de colar acerca desses sonsos do ar. Por isso, e por estarem sempre longe, nas suas elevadas lides de periquito, como eu na minha chã, que grito e pio e por vezes também crocito sempre que percorro a rua de Costa Cabral, com o meu carrinho de mão.

