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Sobre o fardo de pensar

Mãos pegam em laranja

Do fardo de pensar me quero libertar, pois dele me desprender faz-me perenecer*. Ser árvore milenar que existe sem remar, o rio da idade num ser sem identidade.

Se penso não existo, porque pensando a vida, o caminho trilhado pelo pensamento remete para a insignificância do ser ao ver-se a vida como unicamente imaginada, num sonho cósmico, sem significado ou sentido. Se não penso a vida, confio na ausência de qualquer razão para ela existir e, consequentemente, abraço a inutilidade da procura de qualquer tipo de sentido.

Não pensar não é o mesmo que passar frivolamente pela vida, vivendo-a apenas a toque de impulsos recoletores e de pequenas conquistas, que nada mais são do que vento no fogo florestal da insatisfação. Também não é o mesmo que pensar nos porquês da alma de cada um ou na mecânica da natureza ou das sociedades. Os primeiros porque pensar em si é chegar ao vazio; os segundos porque pensar a alma, a natureza ou as sociedades é vogar ao sabor das ondas que tomam o banal por extraordinário. Daí que, viver frivolamente ou pensar seriamente sejam, no fundo, a mesma coisa. Os frívolos, porém, têm a vantagem de não perceber que lhes dói a alma. Como são frívolos, não se dão conta, contrariamente aos demais, que são injustiçados ou injustos; quando todos são, sem se darem conta, egocêntricos.

Libertar-se do fardo de pensar é, antes de mais, esquecer-se. Esquecer-se de ter; esquecer-se de controlar; esquecer-se de compreender. Esquecer-se de ter é esquecer as lacunas que em vão se completam com coisas passageiras como objetos e relações. Esquecer-se de controlar é esquecer o medo intrínseco da eminência do fim abrupto da vida. Esquecer-se de compreender é, sem tomar o partido da ignorância, deixar-se levar por uma contemplação elucidada, sem paixão, angústia ou regozijo.

Libertar-se do fardo de pensar e viver despojado, não sendo miserável nem cínico, antes livre das amarras que a posse de coisas e de ligações a pessoas compreendem. Libertar-se do fardo de pensar e nada comandar, vivendo, sem ser servil, uma vida de serviço à vida. Libertar-se do fardo de pensar e nada compreender, abraçando o universo na sua plenitude.

É ter por destino a caminhada, o caminho feito sem ter em mente a chegada, sempre disponível para a beleza de fazer parte, ainda que brevemente, do universo.

  • – palavra criada. É entender e lidar.
Um cão andaluz ma praia

Encontro com um Cão andaluz

Francesca Albanese. Foto: www.heute.at.

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