Zé está sentado no sofá. Fica triste por ver nas notícias o elevado risco que um homem tem ao tentar arranjar comida para a família de ser alvejado e muda de canal. Ana faz beicinho ao ver as crianças emaciadas e cadavéricas e passa o polegar para cima. André passa na rua e, ao sentir um nó na garganta perante a imagem de um bebé morto num cartaz no chão, muda de passeio.
Quem se move por quem não tem mais nada para dar, senão a própria vida?
Zé sente a indignação com a ferocidade de um dente-de-leão. Eles morrem, mas tão longe. Os maus são tão maus, mas tão parecidos connosco.
Ana sente a raiva de uma criança a quem não deram um chupa. Gosto tanto de hambúrgueres. E dos cremes daquela marca.
André sente a frustração de um cachorro que gane por estar preso. Se o governo diz que são terroristas, se dá tanto nas notícias, é porque são terroristas.
Quando a hipocrisia é o fio condutor da narrativa. Quando ficamos impermeáveis à razão. Quando somos indiferentes à dor. Quando o nosso coração cede ao conforto. Quando temos medo de perder o que de facto não somos e o que de facto não temos, então tudo estará perdido.
Mas depois há os que não se deixam perder. Os que se sentem ultrajados por lhes dizerem que o que é errado está certo. Os que referem acolher o desconforto e clamar o horror que ninguém mais quer ver. Os que choram em silêncio e decidem fazer algo. E então, fazem o que podem. Fazem o que está ao seu alcance fazer.
Bater num tacho não lhes dá de comer. Agitar uma bandeira não lhes dá abrigo. Envergar um lenço não os protege das balas e das bombas. Gritar não vai acabar com a ocupação. Mas é o que podem fazer. E vão continuar a fazê-lo até haver comida, até haver abrigo, até acabar a ocupação. Irão continuar insubmissos até haver um único estado, o Palestiniano, onde todos os cidadãos, sejam eles quem forem, de onde forem, rezem ou não a um qualquer deus, tenham os mesmos diretos sociais, políticos e económicos. Até que sejam todos titulares dos mesmos Direitos Humanos.

