A propósito da saída do jogador do futebol clube do Porto Moussa Marega, das rastas da ministra Sueca da Cultura e da Democracia Amanda Lind, mas não só.
Antes mesmo de pensar sobre o racismo na sociedade portuguesa ou em todas as sociedades; antes mesmo de pensar sobre o racismo na atualidade e historicamente; antes mesmo de pensar o racismo em cada um de nós; antes mesmo de qualquer análise sociológica ou antropológica (e ainda assim, será sempre sociológica e antropológica), talvez seja um bom começo, pensar o racismo de um ponto de vista etológico.
Começo então pelo que é a etologia e como pode ser útil. Sendo o ramo da Biologia dedicado ao estudo do comportamento animal enquanto produto e produtor de habitats, a perspetiva etológica pode (e deve) ser aplicada ao ser humano e às sociedades que constrói e nas quais se constrói. Ao entender o Homem (assumo a perspetiva masculina da designação; é o que é por agora), não como um ser social, destacado da natureza e reinante sobre esta, mas sim como um organismo vivo, senciente e social, também ele produto e produtor de habitats, terei que pensar o Homem como sendo um indivíduo vivo e interativo. Aqui, o Homem manifesta-se numa dupla condição psicológica e social. Esta dupla condição, qual cadeia de ADN em constante evolução, aberta a estímulos e reflexiva, é motora da infinidade de comportamentos e atitudes, tanto individuais como grupais, tanto psicológicos como sociais. As ciências humanas, sociologia, economia, análise política, psicologia, antropologia, filosofia e ética e outras, fazem a análise desta cadeia de uma forma incompleta porque estripam, a meu ver, o Homem, a sua ação e as suas sociedades, da sua raiz biológica. Há como que um pressuposto não escrito das ciências humanas, de entronizar a influência do córtex cerebral nas atitudes e comportamentos, em detrimento da influência das estruturas cerebrais mais antigas na ação humana enquanto pessoa e membro de uma sociedade. Ao entender-se o Homem como um ser racional, arquiteto de cultura sofisticada e distante da natureza, que governa como um turista despótico de visita a este planeta, tornam-se incompreensíveis todos os comportamentos que se desviem, não caibam ou sejam contrários ao ideal da imagem construída e refletida na mente coletiva de alguma humanidade, justamente aquela que mais se debruça sobre o Homem e sobre as sociedades.
A integração do Homem na natureza, enquanto animal vivo, particular mas igual a todos os outros no que é o seu imperativo biológico, das suas sociedades/habitats que evoluem em sequências intermináveis de ação e reação, construídas não somente, mas seguramente alicerçadas nesse imperativo, em conluio permanente com a cultura, a moral e a ética, numa palavra, a civilização, deveria ser o objeto de estudo de uma etologia que procura respostas a questões como a incapacidade de a humanidade se expurgar do racismo, do sexismo e de tantas outras forma de descriminação e desigualdade.
A Sociologia, alicerçada numa perspetiva da etológica, poderá obter uma visão mais abrangente do racismo porque o passaria a considerar como inerente ao Homem, enquanto indivíduo e membro de um ou vários grupos. Dessa forma, ser-nos-á possível compreender (compreender, lembre-se, não é o mesmo que aceitar), as razões porque naturalmente gostamos do que nos é semelhante e daquilo com que temos contacto frequente, e porque naturalmente antagonizamos com o que é diferente de nós e do nosso grupo ou com aquilo que encontramos raramente. Reafirmo que compreender não é mesmo que aceitar mas, ao compreender um fenómeno como o racismo que é simultaneamente biológico e social, abrem-se caminhos para o perceber e perceber como influência indivíduos e grupos.
Apenas compreendendo e aceitando que o racismo existe em cada um de nós e, por consequência, em cada sociedade humana, seremos capazes de o combater, definindo e implementando políticas educativas e de promoção de cidadania públicas, de âmbito comunitário, nacional ou mesmo internacional, sobretudo de caráter pedagógico. Talvez só assim, e apenas talvez, sejamos capazes de fazer com que o racismo, ainda que não desaparecendo, deixe de ser fator de exclusão e dominação. É nosso dever enquanto pessoas, enquanto indivíduos e membros de uma sociedade aceitar, sem vergonha, que a nossa herança biológica existe. Mas é também, e acima de tudo, dever de cada um e de todos nós, combate-la sempre e a todas as horas, não deixando que se sobreponha ao que, no fundo, sempre seremos: primatas deslumbrados consigo mesmos.