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A menina apareceu empunhando um pequeno microscópio. Segurava-o na mão como um gato exibe o pássaro que capturou no quintal e o apresenta galhardamente. Reconheci-o imediatamente. Era o meu velho microscópio monocular ótico composto, oferecido pela minha avó quando entrei para o quinto ano. Teria uns 20 centímetros de altura e, por ter sido comprado com prudência financeira, era quase todo feito de plástico preto, exceção para o canhão ótico, o revólver e suas três objetivas e o parafuso, que sendo também peças de plástico, se encontravam banhadas a algo semelhante a cromado.

Curiosa, pergunta-me para que serve. Explico que serve para vermos o muito pequenino, mais pequeno do que ela; mais pequeno que a migalhinha de pão que lhe tirei do vestidinho de verão e o exibo, a custo, na ponta do dedo, a jeito de pedestal. Pede então que lho demonstre e desata aos pinotes quando respondo afirmativamente.

– Que queres ver?, pergunto.
– Moscas. Não! O pico do mosquito que me picou. Responde ela ainda aos pinotes.
– Não vai ser fácil. Temos de apanhar o mosquito sem fazer dele papa ou um borrão na parede.
– Então a migalha de pão.
– Sim, isso podemos tentar. Olha. Depois da migalha, vou mostrar-te uma coisa melhor.
– O quê?
– Vou mostrar-te como todo o teu corpo é um conjunto de fábricas muito pequeninas e que há animais tão pequenos que podem estar mil à tua frente e ainda assim não os vês.

Não pareceu convencida, mas deixou-se ir.

Disse-lhe que teríamos de limpar todo o aparelho para que funcionasse bem. Se depressa o disse, mais rápido o fizemos e, volvidos minutos, o pequeno instrumento estava desmontado numa flanela verde estendida na mesa da sala. Tudo cedeu facilmente a uma chave de relojoeiro. Apenas uma das pinças resistiu um pouco a descolar da platina. As objetivas, o espelho e o tubo ocular foram alvo de particulares cuidados, ficando ao meu cuidado, enquanto que ela se denodou na limpeza da base e coluna do microscópio, primeiro com um cotonete para os recantos e depois com pano de lentes e respetiva solução de limpeza.

Por ser um modelo simples, não dispunha de parafusos micro e macrométrico, nem tão-pouco de condensador. A iluminação das amostras era feita por refração num espelho de luz com origem elétrica ou solar e a focagem era conseguida por aproximação ou distanciamento da objetiva de observação da base onde assentava a lamela com a amostra, por um sistema de cremalheira entalhado diretamente no canhão.

– Não percebi, papá.
– Não te preocupes. Verás como funciona num instante.

Montado o instrumento, ajustados os parafusos e removidas as folgas, era tempo de demonstração.

– Vês? Rodas este parafuso enquanto espreitas no buraquinho.
– Está escuro, papá.
– Sim. É porque ainda não ajustaste o espelho de modo a que a luz do sol chegue à lamela e entre nas lentes da objetiva.

Assim entretidos, o tempo passava ligeiro. E continuou voando suavemente, por uma boa parte da tarde, como uma pluma animada pela brisa mansa, enquanto espreitavam, por diferentes objetivas e com o mesmo assombro, a estrutura celular das cebolas, uma gota de água retirada ao prato de um vaso onde nadavam ínfimos seres e, por fim, antes mesmo do sono da tarde, um deslumbrante fio do seu cabelo castanho.

o Prado
Sobre a dor