– Porque fizeste isto?
Cai a pergunta como um insulto àquele a quem dói a resposta que não quer dar a si próprio. A constatação fria do seu fracasso na forma de uma lição nunca aprendida, de uma confissão nunca feita, de uma culpa nunca assumida. Aço frio encostado ao pescoço, murro no estômago depois do almoço, pontapé na boca quando já nenhuma força resta senão a necessária para sangrar. Assim é a pergunta feita. E feita ainda por cima com simplicidade, sem acrimónia, até com algum encanto nas palavras, na entoação doce de uma voz familiar e amiga. E ainda assim dolorosa, acintosa, pavorosa aos ouvidos de quem não a quer ouvir, nem ver quem a faz. Por se abrirem apenas os olhos para logo as mãos os taparem, ligando-os aos joelhos, ouve novamente:
– Porque fizeste isto?
Insiste a pergunta, no mesmo tom doce e insultuoso. Um carinho bruto. Uma pena cortante que desliza pelas costas e as abre em mil passados de dor e arrependimento. Tão fácil de resolver e tão longe de ficar resolvida. Uma mão amiga sempre pronta a lançar ao precipício o corpo que protege. Uma carícia que esbofeteia e obriga a reagir com a ferocidade de um dente-de-leão. No fim de uma breve luta interminável e apenas porque quis libertar-se do mundo, volta a si e, não com o que quer, mas com o que tem, responde:
– Porque tudo me sabe a angústia.