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A propósito de um curto texto de Luís Osório no FB sobre como o ignóbil e mentalmente doente Trump defendeu um professo racista (visto por milhões de pessoas a assassinar dois manifestantes, que o perseguiam, e a ferir um terceiro), expõe a pobreza de escrúpulo e a devassidão moral do partido republicano dos Estados Unidos. A propósito disso, dizia, derivou o meu pensamento para a situação em Portugal e a forma como Ventura e o seu Chega faz, e porque faz, o seu trabalho de conquista de espaço político.

Reconheço que Ventura, ou mais provavelmente, alguém por trás dele, está a fazer um trabalho assinalável e muito competente, a julgar pela forma como, lenta, mas seguramente, um bilontra se torna mainstream. Como, de resto, se tornaram mainstream, os descolados da realidade do BE e os em toda a linha incompetentes do PAN, mas esses, em seu abono, não questionam a democracia nem os valores constitucionais, humanos e solidários da sociedade que temos. Senão veja-se: ainda longe dos holofotes da política, usou, com bons resultados, a outra porta grande da notoriedade em Portugal, o benfiquismo. Conquistado o espaço político com a sua eleição à Assembleia da República, desvinculou-se (desvincularam-no?) do futebol e centrou a sua ação no palco exclusivamente político da Assembleia da República e da Presidência, anunciando-se como um dos primeiros candidatos. São mais do que conhecidas as táticas usadas para a conquista de espaço público e poder político. Gravadas na História, temos exemplos de narrativas fascistas e populistas semelhantes; o envio pelos alemães de Lenine para a Rússia; também pelos alemães, a propaganda nazi; de alguma forma o macartismo nos Estados Unidos; a frente nacional em França; Putin e Ping na Rússia e na China, e tantos outros exemplos. De uma forma ou de outra, todos estes movimentos tiveram (ou têm ainda) consequências severas e brutais para as populações no seu todo. Pois não foram apenas os grupos objeto de discriminação inicial que sofreram (ainda que se possa dizer que sofreram duplamente), mas sim toda a população. Já que as guerras e a miséria social generalizada (excepto no macartismo, que teve contornos diferentes), atingiu duramente todos, mesmo os que permitiram, com o seu voto, com o seu silêncio ou com a sua submissão, que os movimentos extremistas alcançassem o poder.

Em 2020, olhando a exposição da extrema direita em Portugal, como um reflexo, por enquanto brando do quadro mundial (Indonésia, Venezuela, Rússia, Estados Unidos, sei lá quantos mais), quer na ação direta de Ventura, quer na indireta, através de perfis nas redes sociais, jornais online, blogs opinativos e ação popular de rua, encontramos (só não encontra quem não quer ver), sinais muito preocupantes do reacender de histórias já contadas, já vividas, já sofridas. De facto, só não vê quem não quer ver, que Ventura e outros bilhostres de extrema direita, fascista, racista, xenófoba, homofónica e misógina, são veículo para a destruição do tecido social em Portugal. Ainda que, e apenas para já, não seja fascista, o populismo de Ventura e do seu Chega tem o mesmo propósito de sempre. A sua retórica tem o mesmo propósito de sempre. E não é um propósito nobre. É a conquista pela anomia; pela dissolução da solidariedade social.

Teimo amiúde com o meu amigo João que Ventura e o seu Chega são, antes de mais, produtos, não tanto agentes. Embora capazes de ação e influência, de mobilização e mudança, Ventura e o seu Chega são, acima de tudo, produtos da sociedade em que vivemos. Sobretudo por culpa do sistema político em que vivemos: uma plutocracia que comanda uma partidocracia travestida de democracia. Mas por achar que Ventura e o seu Chega são um produto de uma sociedade presa pelo crédito e alheada pelos conteúdos vazios dos média, que não encontra respostas libertadoras no sistema partidário, imiscuído em si e na sua corrupção, tal não quer dizer que Ventura e o seu Chega não tenham que ser combatidos. Mas aqui, temos um problema. O combate à bactéria Vibrio cholerae só se torna eficaz quando, além dos antibióticos, todo o meio ambiente é saneado e os focos de doença são eliminados, eliminado dessa forma as condições propícias à disseminação do bicho. Ora, entendo que a ação de vigilância individual e de grupos de cidadãos do poder político é um ato de cidadania comparável à administração de antibióticos. Resta a fundamental ação de criar condições para a não proliferação dos extremismos. Essa compete ao Estado e a quem o administra em nosso nome. Apenas uma ação política responsável e honesta, permitirá à sociedade confiar na classe política governante e, se caso disso, encontrar no espectro político partidário, alternativas de governação credíveis.

O que me leva a crer que, de momento, em Portugal, tal não existe. Por isso sim, vamos estar reduzidos a combater Venturas, quais tontos cavaleiros digitais, com antivírus que não imunizam ninguém. Muitos ou poucos, a dizer chega de Chega, sem qualquer perspetiva de sucesso.

Chuva, azul e amarelo
Ó tu

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