Então és capaz de hipervelocidade? Sim, consigo deslocar-me a mais de onze mil quilómetros por hora ou um pouco mais de três mil metros por segundo. A voar ou a correr? A essa velocidade, é irrelevante; mas mais a voar que a correr. Mas isso é uma maravilha; vais a voar baixinho para todo o lado. Seria mesmo, mas tal não acontece. Então porquê?; não me digas que vieste para aqui de carro. Por acaso não, vim de bicicleta. Aí a duzentos à hora? Esqueces-te das regras da estrada; 50 quilómetros por hora nas localidades e, aqui no centro, trinta. Pois, mas se começasses a abrir, não havia polícia que te apanhasse. Sim, provavelmente; mas tal nunca acontecerá. Porquê?; é a tua consciência que te impede? Não, são apenas impossibilidades práticas. Como assim? Repara, ainda que consiga contrair os músculos de forma tão rápida e violenta que me permite deslocar a mais de onze mil quilómetros por hora, não o posso fazer pela simples razão de que, com a aceleração, o meu cérebro ficaria esmagado contra os ossos do crânio e morreria na hora; também não poderia respirar porque, se abrisse a boca para inspirar, a força do ar romperia os meus pulmões; por outro lado, mesmo que avisado para esta situação, poderia não respirar e arrancar muito mais devagar e acelerar progressivamente até atingir prodigiosas velocidades; ainda que não morresse, correndo a, sei lá, setenta quilómetros por hora, não aguentaria mais do que uns poucos minutos antes de colapsar de exaustão. Mas poderias comer imenso antes de arrancar e já ias prevenido. Pois, não é assim que funciona; comer muito só resulta em teoria, porque o mais importante não é tanto a comida, mas a água; já ouviste com certeza dizer que se morre muito rapidamente de sede que de fome. Sim, já. Isso é porque, como bem sabes, a água é fundamental ao metabolismo de todos os organismos vivos da Terra; a contração muscular necessária para me movimentar a tal velocidade implica uma igual aceleração do metabolismo celular e logo, um gasto considerável de água; mas mesmo que pudesse vencer os problemas metabólicos, que os heróis da BD tão convenientemente esquecem, ainda assim ser-me-ia difícil deslocar-me em hipervelocidade pelo simples facto de não ter tempo de antecipar obstáculos ou gerar atrito suficiente com a superfície de contacto, o chão, para os poder contornar; para finalizar, há a questão preponderante do impacto; em hipervelocidade, os materiais, sólidos ou fluídos, comportam-se todos de forma semelhante, independentemente da sua massa ou estrutura atómica, ou seja, um impacto, choque, em hipervelocidade, resulta na vaporização quer do impactador, quer do impactado; vaporização, repara bem. Então, isso da hipervelocidade de nada vale. Não é bem assim. Não? Não, fiz os cem metros rasos em cinco segundos. Incrível! Incrível e catastrófico; não consegui parar dentro dos limites da pista, tendo chocado contra um carro e partido vários ossos; para além disso, como se o embate fosse de pouca monta, vários dos meus órgãos entraram em falência por desnutrição e desidratação, resultando em três meses de coma. E quando acordaste estavas muito afetado a nível físico? Sim, mas a fisioterapia durou menos de uma hora. Como assim? Como assim, como assim?; estiveste atento que te disse?; desculpa, mas não tenho tempo para gente que não sabe ouvir; adeus.
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