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Então és capaz de te teleportar? Sim, mas é mais complicado do que isso. Complicado em que sentido; és ou não capaz de o fazer? Sou, mas fazê-lo acarreta uma consequência associada que não estou disposto a suportar. E que consequência é essa? Para perceberes bem, deverei primeiro explicar a forma como a teleportação funciona neste universo. Estou atento. Ótimo; teleportar um objeto ou um ser (e lembra-te que um ser é raramente um único ser, mas antes uma quase infinidade deles em equilíbrio simbiótico), pode ser feito de duas formas. Que são?… A primeira, caso se trate de um processo tecnológico, acarreta a numeralização por aparelho emissor, de todos os átomos do objeto em causa e/ou de todos os átomos dos seres envolvidos no transporte, a transmissão destes à velocidade da luz por propagação eletromagnética, receção dessa informação numérica por aparelho recetor idêntico ou compatível e consequente conversão dos dados digitais em matéria, inorgânica ou, no caso de seres vivos, como por exemplo tu, orgânica. Parece simples. Parece, mas não é; a numeralização de matéria implica a geração de uma quantidade de dados para lá da compreensão humana; se fosses a numeralizar (digitalizar) uma lagarta, o maior disco que pudesses colocar no teu computador seria insuficiente para uma patinha sequer. Mas as lagartas não têm patas! Exatamente; mas no seu ADN, há codificação para patas que irão surgir após a metamorfose. Pois, deixa-te de tretas. Não é treta; vai procurar; Agora, disse-te que havia dois processos de teletransporte. Sim, disseste; o primeiro é tecnológico; conversão de um organismo em dados numéricos e armazenados digitalmente e posterior reconversão em matéria em local remoto, por aparelho idêntico ou capaz de interpretar o código. Correto. E a outra? A segunda forma é não tecnológica, logo biológica. Biológica? Sim; e repara; se a primeira é excecional na medida da dimensão do feito científico, a não tecnológica é tão estranha à compreensão que poderá ser tomada por magia ou mesmo divina ubiquidade. Sem dúvida; e tu?; não vejo máquina, logo depreendo que a tua forma de teleportação seja não tecnológica. Deduzes bem; na verdade, tenho a capacidade de me desmaterializar, a mim, a todo o meu xenobioma e a todos os objetos que me envolvem, como roupa, acessórios e outros objetos e materializar-me, a mim e aos objetos, noutro lugar do universo que já conheça; posso fazê-lo sem esforço e de forma instantânea. Parece ficção científica. Parece, mas não é. Mas isso deve dar muito jeito; como o fazes? Não sei; é para mim um completo mistério; além disso, apesar de saber que o posso fazer, nunca o experimentei. Então porquê? Bom, pela consequência que não estou disposto a suportar. Ok, acho que sei porque é. Então? Porque podes materializar-te num sítio que não conheces e acabar dentro de uma parede ou debaixo de água, sei lá eu. Sim, tal pode acontecer, mas não é por isso. Então? Porque, independentemente da forma que use para me teleportar, eu serei destruído e substituído por uma cópia de mim; ainda que uma cópia exata ao nível molecular, mantendo não apenas as caraterísticas físicas, mas também a memória de mim e todos os meus traços psicológicos, uma cópia; e é essa consequência que não estou disposto a suportar. Mas como? Continuarias a ser tu, ou outro tu? Seria indistinguível do original, inclusive para mim mesmo, mas não seria o mesmo; seria, embora não me desse disso conta, uma cópia. Percebo; quer seja por digitalização, quer seja por esse tal processo biológico, o teletransporte implica sempre conversão de matéria em qualquer outra coisa e essa outra coisa em matéria. Certo. Então diz-me, quantas vezes te teleportaste? Nenhuma, mantenho-me original; nunca me teleportei. Caralho!; se nunca o fizeste, porque dizes que o consegues fazer? Se to estou a afirmar, é porque o consigo fazer. Pois; e esperas que acredite em algo quase messiânico, apenas porque assim o dizes. Sim; porque razão duvidarias? Foda-se; vou-me embora. Tem um bom dia.

4. Perceção de causa e efeito
2. Invisibilidade